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CRÔNICA: COMO UM DELEGADO CALÇA-CURTA ESCAPOU DA DEMISSÃO



Roberto de Sena

Não sei se você se lembra, caro leitor/a, mas, antigamente os delegados nas pequenas cidades do interior eram nomeados pelo prefeito. Eram os chamados delegados calça-curta. Para ocupar o cargo não precisava de concurso público e nem de qualquer formação. Era necessário apenas, ser homem de confiança do chefe e pau para toda obra. E, claro, baixar o sarrafo em quem se atrevesse a criticar o prefeito. 

Pois bem. Numa cidadezinha pacata aqui do Oeste,(cujo nome não vou contar, é segredo), um rapaz participou ativamente da campanha eleitoral, discutia, xingava, desacatava e batia sem dó e nem piedade em quem se atrevesse a falar mal do candidato a prefeito.  Terminada a eleição ele foi um dos primeiros a ser nomeado e, justamente, para o honroso cargo de delegado da cidade.

A nomeação caiu do céu. Era a vida que ele pediu a Deus. Na cidade havia mais de 50 anos que não aconteciam crimes de qualquer ordem. Nem roubo de galinha existia. Pense num lugar tranquilo.

O delegado tinha vida de rei. Refestelado em sua cadeira, de óculos escuros, passava o dia com os pés em cima de mesa, tomando cafezinho, comendo peta, bebendo água gelada e no fim do mês o salário tava na conta. "Ô vida mole, ô beleza!" pensava ele. Além disso ele ainda era agraciado pelo povo com sacos de feijão, arroz, galinha caipira, ovos, carne de sol, mandioca, frutas e farinha e o que encontrasse pela frente.

Desde que assumira o cargo não tivera mais que fazer feira dado a generosidade do povo, principalmente os moradores da zona rural. Quando visitava algum povoado sob o pretexto de fazer  ronda, voltava com o carro abarrotado de tudo quanto é coisa e ainda era chamado de doutor pelo povo humilde. Nos bares da cidade, então, ele fazia a festa: podia comer e beber a vontade que ninguém cobrava nada do homem. "Autoridade aqui não paga conta" diziam e, diante disso, o delegado enfiava a cara na cerveja, na cachaça brejeira no mocotó, na buchada, no sarapatel com pimenta  e tudo mais que viesse. Rapidamente passou de 60 para 80 quilos. O pelo ficou mais liso e brilhante do que pelo de gato de madame.


Em pouco tempo no cargo, sem gastar nada uma vez que recebia tudo de graça, já fizera uma boa economia. Guardara  dinheiro que não conseguira juntar em toda a sua vida. "Ô negócio bom" comentava com a esposa. Mal sabia ele que estava em curso uma articulação subterrânea para tirá-lo do cargo. Uma verdadeira conspiração, fruto da inveja dos puxa-sacos do prefeito. Política é assim em todo lugar. Puxa-saco não pode imaginar que alguém esteja se dando bem que logo quer puxar o tapete. 



E assim foi. Os puxa começaram a buzinar no ouvido do prefeito todo dia e toda hora. "Chefe para quê delegado aqui? A cidade é pequena, não tem crime, não tem ladrão, o delegado passa o tempo todo na delegacia sem fazer nada. O trabalho dele é dormir e comer. O senhor tá jogando dinheiro fora. O salário que o senhor paga a ele deveria ficar era com o senhor que tem que gastar do seu para ajudar o povo."

De início o prefeito rebatia dizendo que o delegado era de sua confiança, havia trabalhado muito na campanha, que era um homem valente, dava sova em que falasse mal da administração e, portanto, era merecedor do cargo.

Mas você sabe, puxa que é puxa, não desiste nunca e bastava uma oportunidade e lá estavam eles buzinando de novo no ouvido do chefe. "Prefeito passei agora no mercado e o delegado tá com a mesa cheia de cerveja e debruçado sobre um prato de mocotó com sarapatel, chega tá de olho vermelho de tanto comer. A barriga do bicho tá crescendo. E o pior ele tá sendo mais bem tratado do que o senhor. Bebe, come e não paga nada dizendo que tem uma lei que proíbe autoridade de pagar bebida e comida. Pode um negócio desses? Demite esse homem ou ele vai trazer problemas pro senhor"

Dai a pouco chegava outro puxa e botava mais lenha na fogueira. "É chefe já tem dois anos que o senhor é prefeito e até agora não se precisou deste delegado para nada. Ô dinheiro jogado fora este! No fim do mandato o senhor vai sair pobre e ele rico. É capaz até de querer ser candidato a prefeito contra o senhor. Tô falando para o seu bem chefe. Se o senhor quiser manter o homem lá, mantenha, o senhor é quem manda, mas necessidade não tem."

De tanto os puxa-sacos falarem, repisarem o assunto causando um quiprocó danado ente os aliados, o prefeito - mesmo a contragosto - se viu obrigado a tomar uma decisão. Mandou chamar o delegado e o comunicou que ele só ficaria no cargo até o final do mês.

- Sabe como é delegado, aqui tá tudo muito tranquilo, não tem crime, não tem nada e os meus aliados estão reclamando que eu tô pagando um salário ao senhor sem necessidades e, infelizmente, eles estão com razão. Tanto faz ter delegado como não ter que dá no mesmo. Então eu decidi economizar os recursos públicos e deixar a cidade sem delegado. Agradeço ao senhor pelo empenho mas não tem outro jeito. Vou ter que demiti-lo.

Terminada a conversa o delegado voltou para a delegacia descaximbado, de farol baixo. Sabia que o prefeito estava tomando aquela decisão forçado pelos puxa-sacos. Pensou mandar prender uns dois e dar uma sova a título de vingança. Desistiu da ideia. Não ia dar certo.

Ficou matutando horas a fio sobre o que fazer para não perder o emprego. Não queria, de jeito nenhum, sair daquela vida mansa. Comendo de graça, sendo bem tratado e ganhando bem. Voltar para Barreiras para enfrentar o pesado não estava nos seus planos. Matutou, matutou, matutou e, lá pelas tantas,   uma brilhante ideia borbulhou no seu cérebro. Ele não perdeu tempo e  tratou logo de de coloca-la em prática. Viajou para Barreiras e lá chegando entrou em contato com alguns chefes de gangues perigosas, negociou com eles para que fizessem uma arruaça na cidadezinha, tocassem terror, dessem uns tiros na porta da casa do prefeito, furassem a lataria do carro, assaltassem uns dois bares, deixassem todo mundo em pânico, pegassem os puxa-sacos que haviam feito sua caveira com o prefeito e os levassem como refém e ainda ameaçasse: "Nós vamos levar vocês para o meio do mato, estuprar e depois matar degolados".

O delegado deixou tudo acertado e voltou para a cidade.

Cinco dias depois, por volta das 21 horas uns 20 homens mascarados invadiram a cidade. Fizeram um arrastão, assaltaram bares, deram coronhadas na cabeça de gente, bateram num vereador, espancaram um secretario, dispararam tiros para o alto e chegando em frente a casa do prefeito deram uma rajada no carro furando a lataria e os pneus.

De repente o delegado chega com seus auxiliares dispara tiros a esmo, os bandidos gritam; É A POLÍCIA, FUJAM TODOS. Pegaram a estrada e saíram em alta velocidade levando dois puxa-sacos do prefeito como reféns e dizendo que iram estupra-los e depois cortar-lhes o pescoço.

Os puxa-sacos pediram clemência; "Não façam isso com a gente não. Tenham dó. Nunca pensei que fosse ter um fim como esse, ô humilhação, morrer estuprado. O fim triste." Choraminagavam

Enquanto isso o delegado fingiu que estava perseguindo os bandidos, saiu picado atrás, dando tiros para todos os lados. Quando estavam a uns 10 quilometros da cidade, ele berrou com  com os bandidos, "liberem os reféns ou eu mato todo mundo." Os dois reféns foram liberados e amarelos de medo, mijados, chorando, tremendo, se ajoelharam aos pés do delegado agradecendo por ter salvo suas vidas. O delegado mandou um auxiliar retornar a cidade com os dois e continuou a "perseguição". Lá na frente, se reuniu com os bandidos, pagou o acertado, se despediu deles e voltou para a cidade.

O prefeito, ainda sobressaltado, já o esperava na delegacia. "E aí delegado, enfrentou os homens." O delegado estufou o peito e respondeu. "Não só enfrentei como botei os danados para correr. Pelos menos uns quatros estão feridos. Esses não voltam mais aqui, viram que aqui tem polícia eficiente e deram no pé. Eles queriam pegar o senhor e sua família para sequestrar e pedir uma grana preta de resgate, graças a Deus e ao meu instinto profissional, consegui chegar na hora que eles estavam atacando a sua casa e botei todo mundo para correr. Enquanto eu tiver aqui bandido não tem vida mole não. Pode ter certeza seu prefeito, ninguém aqui vai mexer com o senhor e nem com sua família que eu não permitirei, sou capaz de dar minha vida pelo senhor. Quem fizer arruaça aqui será alcançado pela minha mão pesada e vai mofar na cadeia".

O chefe elogiou a coragem do homem e agradeceu por ter sido salvo de maneira tão corajosa. Além disso, no dia seguinte, o prefeito em reconhecimento a bravura do delegado, promoveu um ato público na praça principal da cidade para homenagear o novo herói, anunciando, inclusive, a sua permanência no cargo durante todo o mandato e, ainda por cima, triplicou o salário do homem.

Os puxa-sacos,  que antes pediam a saída do delegado, agora agradecidos por terem sido salvos, discursaram dizendo que o delegado representava a segurança da cidade e que jamais deveria ser demitido. "Quem fala em demissão de um homem desse só pode tá doido. Olha prefeito se alguém chegar em sua casa sugerindo a demissão do delegado pode mandar pro hospício que tá ruim do juízo. Inclusive se um dia eu mesmo falar no assunto o senhor pode mandar me prender e chegar-lhe chibata no meu lombo sem dó nem piedade que é isso que eu mereço." Deste dia em diante o delegado  viu suas regalias e seus privilégios aumentarem mais ainda.

Na delegacia, sem ter o que fazer, ele passava os dias cantarolando a música de Bezerra da Silva, MALANDRO É MALANDRO E MANÉ É MANÉ. PODE CRER QUE É.

CRÔNICA: COMO UM DELEGADO CALÇA-CURTA ESCAPOU DA DEMISSÃO CRÔNICA: COMO UM DELEGADO CALÇA-CURTA ESCAPOU DA DEMISSÃO Reviewed by Mural do Oeste on sábado, julho 01, 2017 Rating: 5

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