Roberto de Sena
Urubuzé acordou naquela manhã, escovou o bico, beijou a dona urubua e os dois filhotes e saiu pela mata estuciando uma forma de conseguir o pão de cada dia para ele e sua família.
Ao sobrevoar um povoado, Urubuzé viu um vereador pedindo voto de casa em casa. O sabido urubu desceu e se empoleirou em uma cumeira e ficou ouvindo a prosa do vereador com os eleitores.
- Se eu for eleito, todos vocês aqui desta casa, vão ter um emprego que eu vou dar. Pode votar em mim que eu garanto.
Bradava o edil.
- É verdade isso?
Perguntou um morador
- Verdade. Pode confiar. Vote em mim e você vai ver.
- Vereador e a segurança pública? O que o senhor vai fazer para melhorar a segurança em nosso povoado?
Questionou outro morador.
O vereador nem esperou ele terminar e foi logo dando a resposta.
- Vou botar um batalhão de Polícia Militar aqui neste povoado. Não vai ficar um ladrão aqui. Nem briga de marido e mulher vai ter mais. Vocês vão viver tranquilos e sossegados.
- Como é o negócio?... O senhor vai botar um batalhão de polícia aqui neste povoado da zona rural? Eu num acredito nisso!
- Pois pode acreditar. Vou botar um batalhão de polícia militar aqui. A bandidagem vai ter que mudar de endereço. Bandido aqui não vai ter vez. Quem se meter a besta vai tomar chumbo na asa e vai morar debaixo de sete palmos de terra. Comigo é assim, escreveu não leu o pau comeu!
- E a água e luz vereador? O preço tá caro, nos num tá guentando pagar. O que senhor vai fazer para diminuir o preço da conta de luz e de água?
O vereador tirou um pulo e contra atacou:
- O que? Diminuir o preço de luz e de água? Rapaz acorda. Colé mané diminuir preço. Cê não me conhece não? Eu ja apresentei um projeto na Câmara e no ano que vem ninguém vai pagar água e nem luz. Vai ser tudo de graça. Quem tem que pagar é o governo. O governo que se vire. Isso é problema dele. No ano que vem vocês tão livre de conta de água e de luz. É só votar em mim que vocês vão ver.
Urubuzé estava pasmo na cumiera da casa. "Nunca vi um cabra menti deste jeito. E o pior que ainda tem gente que acredita. Neste mundo besta fica pouco mas num acaba. Arre égua" , pensou o Urubu.
O vereador seguiu de casa em casa, pedindo voto e fazendo promessas mirabolantes. Até que, numa determinada casa, um eleitor revoltado com as mentiras do edil, jogou um balde de água fervendo no parlamentar. O representante do legislativo conseguiu dar um salto para trás e escapou por pouco de ser queimado.
Urubuzé lamentou o fato: "Peste nem pra água fervendo ter matado este cabra mentiroso. Era a primeira vez que eu ia comer um vereador assado, tostadinho, o bicho deve ter a carne macia de tanto comer dinheiro público."
Retado da vida o vereador protestava.
- Isso é o reconhecimento que a gente ganha por dedicar nossa vida ao povo. É uma ingratidão muito grande com um homem público da minha estatura que só faz o bem. Ô povo ingrato.
Urubuzé aproveitou o momento em que o vereador ainda estava meio atordoado e fingiu solidariedade.
- Realmente amigo. Isso é um absurdo. Um homem da sua qualidade e da sua dignidade que tanto se dedica aos mais necessitados, sofrer uma ingratidão desta é o fim do mundo. E olha que você é o melhor vereador da cidade. Eu acompanho seus pronunciamentos pelo rádio e sei que você trabalha muito. Você merece o reconhecimento do povo e vai ser reeleito com certeza.
O vereador entusiasmado com os elogios, nem reparou que estava falando com um urubu.
- Obrigado amigo. Ainda bem que tem pessoas como você que reconhecem o meu incansável trabalho.
- Claro que reconheço o seu trabalho. Você é muito competente e tem talento. Na minha humilde opinião, você não deveria ser candidato a vereador. Você é tão bom que deveria ser candidato a prefeito. Nosso povo precisa de um líder da qualidade de vossa excelência.
Ao ouvir isso o vereador se entusiasmou.
- É mesmo? Você acha? Tá falando sério?
- Claro que eu acho. E já tenho a estratégia certa para você se eleger prefeito da cidade sem fazer muita força. Vai ser moleza.
- E qual é a estratégia? Me digue?
O vereador não se continha de curiosidade.
- É o seguinte: o primeiro passo é aprender a voar.
- Como é o negócio. Aprender o que? A voar?
- É isso mesmo. Aprender a voar.
- Oxente e como é que eu vou aprender a voar. Nunca ouvi dizer que gente voa.
- Que é isso vereador, não diga uma bobagem dessas. Todo político que se dá bem é por ter aprendido a voar. Só que eles guardam isso no mais absoluto sigilo. Não querem que ninguém aprenda para não derrotá-los. ACM aprendeu a voar foi cedo, Getulio Vargas nem se fala, Lula, esse é uma aguia, já Dilma não voou direito e acabou caíndo, o mesmo aconteceu com o Aécio. O Temer tá de asa quebrada. Agora veja o caso do Sarney, aprendeu voar e vai morrer mandando no poder. Já tá provado pela física quântica que político esperto voa. É só querer. Eu mesmo posso lhe ensinar. Já pensou você voando? Vai chegar na frente dos seus adversários em todos os lugares, vai convencer o povo com facilidade a votar em você. Vai ser prefeito e vai pegar aqueles vereadores que não gostam de você e deixar os bichos a pão e água até eles virem pedir penico ajoelhado nos seus pés. É assim que se faz.
- É assim mesmo como você tá dizendo?
- Claro. E se você quiser aprender é muito fácil. Eu mesmo lhe ensino.
- Você me ensina? Então é lógico que eu quero aprender. O que devo fazer pra já sair daqui voando?
- Bom primeiro vamos para a BR 242. Eu vou fazer uma aula prática, você preste bastante atenção e depois é só você fazer o mesmo que eu mandar e vossa excelência, nobre edil, voará com a maior facilidade.
Lá foram os dois para a BR.
Antes de começar a aula Urubuzé fez uma advertência ao vereador.
"Para aprender a voar tem que esperar uma carreta carregada de cimento ou então um ônibus. Carro pequeno num é garantido não. Num faz o mesmo efeito"
Dito isto, Urubuzé ficou no meio da pista. Uma carreta se aproximou. Quando o veiculo estava bem próximo do urubu, ele, elegantemente, bateu asas e voou. Depois de alguns minutos, retornou a terra e pousou suavemente.
- Agora é sua vez amigo vereador. Vista o paletó, estufe o peito, mostre toda sua elegância, fique no meio da pista e espere uma carreta se aproximar. Quando ela estiver bem perto, você bate os braços como se estivesse nadando, o paletó se abrirá igual asas de morcego e você voará pelo universo infinito. Vamos lá grande líder!
O vereador acreditou. Político é assim, quando enfia uma coisa na cabeça ninguém tira. O parlamentar se postou no meio da pista esperando uma carreta.
O urubu esfregava as asas e pensava: "O bicho tá gordinho que tá danado. Dinheiro público engorda pra danar. Daqui a pouco a carreta da um trompaço nele e o danado se despedaça todo e eu caio de de bico dentro. Vai ser uma festa, vai ser a primeira vez que eu e minha família vamos ter na ceia um vereador. É melhor do que um peru de natal."
De repente uma carreta vem descendo a ladeira. O carreteiro espantou-se quando viu um homem de paletó batendo os braços como se fosse asas. "Que diabo é isso?" . Ao se aproximar um pouco mais, o motorista reconheceu o vereador, fez uma manobra arriscada e conseguiu desviar do parlamentar. Desceu da carreta e veio ver o que estava acontecendo
- Vereador o que o senhor tá fazendo no meio da estrada batendo os braços desse jeito. Quase que eu lhe atropelo. O senhor escapou de morrer atropelado.
Irritado o vereador respondeu com rispidez
- Você me atrapalhou, não viu que eu estou aprendendo a voar?
- Aprendendo o que? Espantou-se o motorista.
- A voar. Respondeu o vereador.
- Voar? Cê ficou doido rapaz? Será que foi a política que lhe deixou maluco?
- É sério. Eu conversei com um urubu de bom coração e ele disse que se eu ficasse na pista e esperasse uma carreta eu aprenderia a voar.
- Como é o negócio? Cê conversou com quem mesmo?
- Com um urubu?
O motorista ficou mais espantado ainda.
- Com um urubu? Olha vereador eu sempre soube que papagaio fala mas nunca vi dizer que urubu converse não. Rapaz acho que vou lhe levar para uma clínica psiquiátrica. Esta tal de operação lava jato tá deixando os políticos doidos, doidos de pedra.
O caminhoneiro - que era muito forte - pegou o vereador e, na marra, botou dentro do carro e retornou para cidade com a finalidade de buscar ajudar médica.
Escondido dentro do mato Urubuzé xingava desesperado:
"Isso é um azar muito grande. Diabo deste caminhoneiro traíra. Filho de uma porca, safado, moleque sem vergonha, filho do capiroto. Por causa desse miserável desse motorista eu perdi a oportunidade de experimentar o gosto da carne do parlamentar. Tem gente que só serve para atrapalhar a vida dos outros."
Revoltado o bicho bateu asas e sumiu.
CRÔNICA: URUBUZÉ TENTA ENSINAR UM VEREADOR A VOAR
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sexta-feira, agosto 04, 2017
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